*Por Daniel Moreira Teles
Nem toda lambida é carinho. Nem todo abanar de rabo é alegria
Você sabia que os cães se comunicam não apenas por latidos, mas também e, principalmente, pela linguagem corporal?
No adestramento, além dos comandos verbais, sempre utilizo gestos com as mãos e o corpo. Cada comando tem um sinal visual correspondente, porque os cães estão constantemente nos observando. Eles leem nossos movimentos, nossa postura e até a direção do olhar.
Essa leitura corporal é tão apurada que, em esportes como o agility — em que cão e treinador correm juntos como uma equipe —, os erros normalmente não são do cão, mas do treinador. Uma inclinação errada do corpo, um gesto ambíguo, e o cão interpreta de outra forma. Eles seguem o que vemos, mais do que o que dizemos.
E isso também se aplica ao comportamento diário. Antes de morder, um cão quase sempre dá sinais. Ele avisa. Mas esses sinais são sutis e, frequentemente confundidos com empolgação, brincadeira ou até carinho.
Bocejar fora de contexto, lamber os lábios com frequência, virar o rosto, enrijecer o corpo, parar de abanar o rabo ou mantê-lo elevado e imóvel são formas de dizer: “não estou confortável”. E quando não respeitamos esses sinais, corremos riscos desnecessários.
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Falo com conhecimento de causa. Já fui mordido durante treinamentos — especialmente com cães mais agressivos. Em muitos desses casos, a culpa foi minha. O cão avisou, e eu não soube (ou não quis) escutar ou entender.
Me lembro de um caso marcante com um Rottweiler. Eu precisava ensiná-lo a deitar, um comando importante para reduzir a dominância, pois ele já havia atacado pessoas. Mas o treinamento exige respeito ao tempo do cão e eu, por ansiedade e inexperiência, insisti cedo demais. O cão passou de um estado relaxado, com a língua para fora, para um estado de alerta: fechou a boca, me encarou fixamente. Naquele momento, eu deveria ter recuado. Mas insisti. Resultado: ele mordeu minha mão e começou a chacoalhar. Consegui me soltar sem grandes danos, mas fiquei com uma cicatriz e ,claro, um aprendizado profundo sobre limites e respeito.
Outra dúvida comum: “Se o cão está balançando o rabo, ele está feliz, certo?” Nem sempre. O rabo balançando pode significar excitação, ansiedade ou até uma disposição para o ataque. Já vi cães em treino de proteção abanando o rabo antes de morder, animados com a tarefa.
Uma dica valiosa que sempre dou aos meus clientes: evite usar óculos escuros durante os passeios ou treinos. O contato visual é essencial para a comunicação com o cão. Eles precisam ver seus olhos para entender suas intenções.
E quando for apresentar um cão a outro, ou a uma pessoa, não force a aproximação. Deixe o cão se aproximar no seu tempo. Imagine como você se sentiria sendo empurrado para interagir com estranhos em um lugar desconhecido. Forçar uma situação pode gerar medo, estresse e até reatividade.
Essa comunicação silenciosa não é exclusiva dos cães. Todos os animais, inclusive nós, expressamos emoções com o corpo. Aprender a observar, interpretar e respeitar esses sinais é o que separa um tutor consciente de um acidente evitável.
Saber ler esses sinais é mais do que uma habilidade: é um gesto de amor.
Observe. Respeite. Proteja a relação com seu cão.