Coordenador do Projeto Faro para Conservação destaca que o processo de treinamento de cães é muito minucioso e cheio de detalhes
Os cães possuem um olfato extremamente apurado. Enquanto os humanos possuem cerca de 5 milhões de receptores olfativos, eles possuem entre 200 a 300 milhões. A competição é desonesta, não é? No entanto, essa capacidade sensorial pode ajudar as pessoas em diversas situações já conhecidas, como no caso dos animais que trabalham na busca por drogas, vítimas de desastres naturais, detecção de doenças, entre outros. Mas você sabia que os cães também podem ajudar na preservação de animais silvestres?
Conversamos com o diretor e presidente da ONG Rede Eco-Diversa para Conservação da Biodiversidade, que também é coordenador do Projeto Faro para Conservação, Daniel da Silva Ferraz. Ele compartilha que a ideia de utilizar cães farejadores na conservação de espécies ameaçadas surgiu da necessidade de encontrar métodos mais eficientes e menos invasivos de monitoramento ambiental. “Os cães são capaz de detectar odores em concentrações muito baixas, o que os torna ideais para localizar a presença de animais, carcaças, suas fezes, ninhos, etc. Ou seja, os cães farejadores podem detectar a presença de espécies específicas por meio de cheiros imperceptíveis para os humanos, facilitando a coleta de dados importantes para a conservação e estudo das espécies”, revela.
Ferraz conta que a utilização de cães farejadores como auxiliar na pesquisa científica sobre espécies raras e/ou ameaçadas remonta a década de 1890, onde cães foram treinados para detectar a presença das aves não voadoras, endêmicas da Nova Zelândia, o kiwi (Apteryx spp.) e o kakapo (Strigops habroptilus). “Após quase 100 anos de pesquisas envolvendo apenas a detecção de aves, a partir da década de 1990, houve uma ampla diversificação no emprego de cães para conservação, abrangendo a detecção e monitoramento de outros animais vivos, como mamíferos, anfíbios, répteis, etc; detecção de carcaças em monitoramentos ambientais e a detecção de fezes, patógenos e outros materiais biológicos. No Brasil, a equipe do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (NUPECCE), da UNESP Jaboticabal, utiliza cães farejadores na detecção das espécies de veados brasileiros desde 2002.
Escolha e treinamento dos cães
As principais características que as equipes de conservação buscam em um cão para ser treinado para detecção de vida silvestre incluem um olfato aguçado, alta energia, capacidade de concentração e um bom temperamento. “Cães com um forte instinto de caça e aqueles que demonstram entusiasmo para o trabalho tendem a ser mais adequados para esse tipo de tarefa. Não há uma raça específica para esse tipo de função, por isso, muitos projetos que utilizam cães para detecção de vida silvestre treinam, inclusive, cães sem raça definida”, informa.
No Projeto Faro para Conservação, Ferraz menciona que utilizam o Método GEO (Gerenciamento Emocional Olfativo), elaborado e adaptado pelo treinador de cães Jorge Pereira, da Unidade K9. “Este método consiste em um processo mais orgânico, com fases bem estabelecidas e que trabalha, principalmente, o emocional do cão. Para explicar de forma simples: primeiro treinamos a forma de indicação, que pode ser passiva (sentar ou deitar em frente o alvo), ou ativa (latir). E, só depois, introduzimos a substância alvo que o cão vai detectar para que ele assimile os odores que precisará encontrar em suas buscas. Ao detectar o odor-alvo para qual foi treinado, o cão recebe sua recompensa (brinquedo ou comida) e uma super dose de emoção de seu condutor”, explica.
Um dos principais desafios enfrentados na identificação de espécies selvagens, especialmente aquelas consideradas raras na natureza, segundo o coordenador do projeto, é a obtenção das primeiras amostras dos odores-alvo, que, geralmente, consistem em Compostos Orgânicos Voláteis (COVs), essenciais para iniciar o treinamento. “Uma solução que se mostrou viável foi a coleta de amostras de animais em cativeiro, como no caso da obtenção de fezes de determinadas espécies de primatas não humanos”, adiciona.
Dificuldades no meio do caminho
A preservação das amostras de odores é uma dificuldade adicional, de acordo com Ferraz, uma vez que os COVs possuem alta pressão de vapor em condições normais, tornando-os propensos a volatilização ao entrar em contato com o ar. “Esses compostos estão presentes em uma variedade de materiais, sejam naturais ou sintéticos”.
O profissional salienta que o processo de treinamento de cães de detecção é muito minucioso e cheio de detalhes. “Devemos nos atentar desde a escolha do cão, coleta e preparação de material de odor, variar amostras e ambientes. Sem contar que nosso auxiliar de pesquisa é um cão, um ser vivo que tem suas necessidades básicas como espécie e devem ser cumpridas em todas as suas fases”, frisa.
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A preparação desses cães para desempenhar atividades em diversos ecossistemas, como florestas, savanas e montanhas, representa uma etapa essencial no treinamento de cães de detecção de vida selvagem, conhecida no Método GEO como ambientação e adaptação. “Rotineiramente, os cães são treinados para se familiarizarem com o ambiente no qual irão atuar, seja uma floresta densa ou uma savana aberta, um terreno plano que demanda menos esforço ou uma montanha íngreme que exige mais fisicamente, tanto do animal quanto do condutor. É primordial que o cão seja instruído desde cedo sobre como se movimentar em tais ambientes, resultando em buscas mais eficazes e demandando menos esforço do animal”, esclarece.
Espécies protegidas
Os objetos de estudos do Projeto Faro para Conservação contemplam quatro espécies de primatas endêmicas da Mata Atlântica brasileira e ameaçadas de extinção: o muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), bugio (Alouatta guariba clamitans) e os saguis-da-serra-escuro e sagui-da-serra (Callithrix aurita e Callithrix flaviceps). “Também estudamos espécimes híbridos entre as duas espécies de sagui. Entretanto, até o momento, estamos realizando apenas o monitoramento dos saguis em uma região de intergradação entre as espécies, no Vale do Rio Carangola, na divisa entre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Até agora, somos o único binômio (cão + condutor) no Brasil que se dedica à detecção de primatas não humanos”, assegura.
Mas, assim como toda pesquisa científica, para realizar estudos envolvendo coleta de material biológico e, também, para acessar Unidades de Conservação, é preciso ter autorizações dos órgãos competentes. “É o que chamamos de parte burocrática da pesquisa, entretanto, fundamental. Além disso, trabalhar em ambientes naturais pode ser muito desafiador, uma vez que não temos controle das variáveis ambientais que influenciam na dispersão de odores. Estas variáveis são influenciadas, principalmente, pelo clima e relevo da localidade. O cão deve ser muito bem socializado e ambientado para trabalhar nos mais variados tipos de ambientes”, indica.
Como ajudar a iniciativa?
O Projeto Faro para Conservação tem como objetivo geral a promoção de ações de pesquisa para conservação de espécies raras e/ou ameaçadas de extinção utilizando cães farejadores como ferramenta de trabalho, além de popularizar o emprego de cães farejadores nos estudos sobre a fauna silvestre. “Com isso, participar dessas iniciativas pode ser uma experiência enriquecedora e recompensadora”, avalia o coordenador do projeto.
Aqui estão algumas maneiras pelas quais o público pode se engajar:
- Doações: Contribuir financeiramente para a Instituição responsável pelo Projeto pode ajudar a cobrir os custos de treinamento, cuidados veterinários e manutenção dos cães farejadores, bem como financiar projetos específicos de conservação.
- Educação e divulgação: O público pode ajudar a aumentar a conscientização sobre a importância dos cães farejadores na conservação ao compartilhar informações em redes sociais, participar de palestras, workshops e cursos.
- Educação ambiental: Se envolver e encorajar a educação ambiental nas escolas e comunidades pode formar uma base sólida para o apoio a longo prazo dessas iniciativas. Programas educativos que destacam o papel dos cães farejadores na conservação podem inspirar as futuras gerações a se envolverem.
“Ao se engajar nessas atividades, o público em geral não só apoia diretamente as iniciativas do Projeto Faro para Conservação, mas, também, contribui para a preservação da biodiversidade e a saúde dos ecossistemas”, conclui Ferraz.