Desinteresse, superlotação e falta de recursos desafiam ONGs e voluntários. Enquanto o Cavalo Caramelo virou símbolo de esperança, muitos animais seguem esquecidos
Um ano após a enchente histórica que devastou o Rio Grande do Sul em maio de 2024, deixando 183 mortos, 27 desaparecidos e milhares de famílias desabrigadas, o cenário ainda é desolador — especialmente para os animais resgatados durante a tragédia. Mais de 20 mil cães, gatos, cavalos e outros animais foram salvos pelas mãos de voluntários, ONGs e poder público, em uma mobilização que comoveu o Brasil. Mas, passado o momento crítico, muitos continuam esquecidos em abrigos temporários, à espera de um lar definitivo.
A história do Cavalo Caramelo, que ficou ilhado no telhado de uma casa em Canoas e foi resgatado após dias de tensão, viralizou e emocionou o país. Hoje, ele vive sob cuidados especiais em um centro de bem-estar animal, cercado de carinho e estrutura. Sua imagem se tornou um símbolo de resistência e empatia. Mas, enquanto Caramelo desfruta de uma nova vida, milhares de outros animais seguem invisíveis, encarando o abandono como uma segunda tragédia.
Adoções em queda, abrigos lotados
Segundo a Prefeitura de Porto Alegre, cerca de 2,9 mil animais chegaram a ser abrigados em 40 espaços conveniados após a enchente. Um ano depois, ainda há aproximadamente 500 cães e gatos nos quatro abrigos municipais da capital. A situação é semelhante em diversas cidades do estado, como Canoas, Caxias do Sul e São Leopoldo, onde ONGs como a Amor Animal, Soama e Patinhas Dadas enfrentam superlotação, falta de recursos e queda nas doações.
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“A gente teve uma estrutura boa na época da enchente. Muita gente ajudando, enviando ração, remédios, oferecendo lar temporário. Mas agora tudo isso desapareceu. A enchente acabou para muita gente, mas para nós, que continuamos cuidando desses animais, ela ainda está acontecendo”, desabafa Deise Falci, protetora e voluntária há mais de 17 anos.
O desafio da adoção de vira-latas
Um dos obstáculos enfrentados pelos abrigos é o perfil dos animais resgatados: em sua maioria, cães e gatos Sem Raça Definida (SRD), adultos, de médio ou grande porte — considerados “menos atrativos” para muitos adotantes.
“Animais de raça que foram resgatados, muitos de canis clandestinos, conseguiram lar em pouco tempo. Já os vira-latas da enchente estão há dez, onze meses esperando por uma chance”, conta Deise.
Dados de uma pesquisa da Quaest em parceria com a PetLove mostram que 32% dos cães e 52% dos gatos com tutores no Brasil são SRDs. Ainda assim, a preferência de parte da população por animais de raça segue sendo um entrave para a adoção consciente.
A luta das ONGs continua
As entidades de proteção animal relatam aumento nos custos e queda no engajamento. Muitas dobraram o número de animais acolhidos e lutam para manter o básico: alimentação, tratamentos veterinários, higiene e segurança.
“Temos animais que chegaram feridos, traumatizados, muitos idosos. Precisamos de doações, mas principalmente de famílias dispostas a adotar com responsabilidade. Não é só pegar um animal bonito. É dar a ele o que ele não teve durante toda essa tragédia: estabilidade e amor”, reforça um representante da ONG Soama.
Como ajudar
Em agosto de 2024, o governo do RS lançou um programa de adoção com uma plataforma online, onde interessados podem visualizar os animais disponíveis. Moradores do estado podem buscar os pets diretamente nos abrigos; para quem vive em SP, PR ou SC, o transporte até as cidades de Cotia, Curitiba e Florianópolis é oferecido pelo governo.
Além da adoção, doações de ração, medicamentos, produtos de limpeza e até serviços voluntários (como transporte ou castração) são bem-vindos.
O legado de Caramelo
Caramelo virou ícone de superação. Mas seu papel mais importante hoje talvez seja o de lembrar que muitos outros animais ainda não tiveram o mesmo destino. A tragédia climática do RS não terminou para eles e cada ato de solidariedade ainda é crucial.
“Adotar é mais do que salvar um animal. É dar continuidade à luta que começou com o resgate. É não deixar que a enchente leve também a esperança”, conclui Deise.