Tiago Falótico comenta o processo da perda e da morte em animais, algo que já foi documentado em várias espécies
Talvez o exemplo mais clássico do luto em animais seja o filme Sempre ao Seu Lado (2009), dirigido por Lasse Hallström. Ele conta a história do cachorro Hachiko, que aguardou em vão o seu já falecido dono chegar de trem numa espera que duraria nove anos e teria fim apenas com a morte também do cão. E após o mar de lágrimas que acometia todos depois de assistir a esse clássico da sessão da tarde, fica a questão: como os animais experienciam o luto?
O pesquisador Tiago Falótico, do Instituto de Psicologia da USP, começa contando um episódio que ele experienciou em primeira mão ao pesquisar macacos-prego. “Era um caso até um pouco mais curioso, porque era um filhote que tinha um defeito de nascença na perna. Então ele não conseguia se firmar direito nas costas da mãe, e ele acabou falecendo. Nós acompanhamos a fêmea por várias horas ainda carregando o filhote [morto]. Ela provavelmente carregaria mais se não tivéssemos coletado o corpo.”
Morrer de coração partido
Ele diz que esse comportamento é característico de algumas espécies de animais, e que a cena que ele presenciou não foi exceção. Os primatas em especial têm um vasto histórico de experiências com luto. “Tem muitos exemplos em chimpanzés que, às vezes, e principalmente mãe com filhote, ela pode carregar aquele corpo e cuidar dele durante dias, às vezes semanas”, afirma Tiago.
Um exemplo emblemático foi relatado pela pesquisadora Jane Goodall, que conviveu com uma tribo de chimpanzés na Tanzânia durante a década de 60, e que testemunhou um processo de luto tão intenso de um filhote, por ter perdido a mãe, que o levou à morte. Em outros casos documentados, uma mãe carregou o filho morto até que este mumificasse, e uma filha passou um longo tempo parada aos pés do corpo de sua recém-falecida mãe.
Nos casos em que a mãe carrega consigo o corpo do falecido, há quem questione se ela simplesmente não percebeu, se achou que estava dormindo ou algo semelhante. Para isso, Tiago tem uma resposta. Ele afirma que, claro, é impossível saber exatamente o que eles pensam ou sentem porque não podemos simplesmente perguntar, mas a hipótese de que a mãe acha que o filho está bem “não é uma explicação muito boa”. Após morrer, os demais membros do grupo mudam drasticamente a forma como se relacionam com aquele corpo, e apenas a mãe, quem de fato tem um vínculo forte, permanece em contato com o falecido. “Não sabemos se eles têm o conceito de ‘morte’, mas está claro que o comportamento deles muda bastante.”
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Relatos de cachorros e gatos também apontam na direção da experiência do luto. Geralmente menos intensos do que nos primatas, mas ainda assim é comum que o animal passe por um período de horas ou mesmo dias de abatimento, desânimo ou falta de apetite.
Memória de elefante
Os maiores mamíferos terrestres se destacam na questão do luto. Eles têm o mais próximo do que se pode chamar de uma “cultura” em torno da morte. Os animais em geral, mesmo os que experienciam o luto, o fazem por um período determinado, ou seja, demonstram sintomas de melancolia, mas é raro que isso se alastre por muito tempo ou que retorne. Mas, no caso dos elefantes, é possível observar processos que se assemelham a “funerais” e de visita ao “túmulo”, mesmo após anos.
São vários os relatos de elefantes-africanos que voltavam até o lugar onde estavam os corpos de filhos ou membros próximos do bando. Eles foram vistos remexendo os ossos e ficando longos períodos de silêncio em frente ao “túmulo”, comportamentos que não são observáveis com outros corpos. Já os elefantes-asiáticos, conforme relatado por pesquisadores, pareciam querer evitar a área em que um falecido se encontrava. Isso levou os especialistas a terem uma forte convicção de que os elefantes, sim, identificam os restos mortais como uma continuidade de um ser que não existe mais.
Os elefantes se tornam com isso um dos poucos que parecem simbolizar a morte. Ainda assim, ainda há uma grande diferença para os humanos, que, dentro do reino animal, são definitivamente únicos em relação a isso: inclusive, são um dos animais que mais se assemelham aos seres humanos, pois são um dos poucos que têm algo de cultural ou simbólico da morte. “Nós levamos a um nível extremo, porque cuidamos muito mais, damos um significado para morte. Então essa parte acho que é exclusivamente humana”, afirma Falótico. Da Festa dos Mortos à Missa de Sétimo Dia, são várias manifestações para expressar o luto e a relação com a finitude, e nenhum animal, por mais que se assemelhe em alguns aspectos, chega perto da complexidade humana.
Amor antes do nascimento
Outra diferença essencial é que os humanos têm a consciência de estarem gestando, de que existe vida mesmo quando não pode ser vista. Dessa forma, nossa espécie parece ser a única que começa a criar um vínculo com o filho antes mesmo do nascimento. “Nós realmente temos essa parte anterior em que as mulheres sabem que estão grávidas. Elas idealizam e projetam planos futuros”, diz Falótico.
Já nos animais, eles podem perceber mudanças, como alterações físicas e hormonais, mas não necessariamente têm o conhecimento que dali surgirá um novo ser. Tanto é que várias espécies de mamíferos comem os natimortos, dando a entender que o vínculo para eles se cria apenas no contato direto entre mãe e nascido; até onde se sabe, filhotes natimortos e pequenos pacotes de carne, para os animais, não necessariamente têm diferença. Enquanto nos humanos o nascimento do bebê é motivo de grande emoção – para o bem ou para o mal, mas nunca por indiferença.