Por Francisco Neto Pereira Pinto*
Perder um animal de estimação é uma dor que, para muitos, pode ser avassaladora – e, muitas vezes, subestimada pela sociedade. No entanto, o luto por um pet é uma parte essencial do processo de despedida. Algumas pessoas, na tentativa de amenizar essa dor, rapidamente adotam outro animal, buscando preencher o vazio deixado. Embora essa ação possa oferecer um alívio momentâneo, também pode gerar um problema silencioso: o acúmulo de lutos não resolvidos.
O processo de luto e a culpa
Em qualquer processo de luto, há o sofrimento pela ausência do animal que partiu, mas também um sentimento de culpa que pode se instalar. Nos questionamos se poderíamos ter feito algo para evitar a perda, se fomos negligentes de alguma forma. Esse autoquestionamento é natural, mas, se o luto não for enfrentado, ele não se resolve – apenas fica latente. Com o tempo, essa soma de lutos não elaborados pode levar a um impacto emocional profundo, podendo, inclusive, contribuir para quadros depressivos.
O olhar de Freud sobre o luto
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, descreveu o luto em seu célebre texto de 1917, Luto e Melancolia, como um processo de “acerto de contas” interno. Durante o luto, fazemos um balanço das nossas falhas para com quem partiu – ainda que essas falhas sejam apenas fruto da nossa imaginação. Também criamos exigências internas: aceitamos a perda, mas mantemos algo do ser amado conosco, seja um hábito, uma lembrança ou uma rotina. Freud afirmava que, no fundo, nunca abrimos mão daquilo que amamos. O processo de luto exige tempo e energia, mas é essencial. Quando concluído, a dor dá lugar à saudade.
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Transformando a dor em arte
No meu caso, uma forma de lidar com o luto foi a escrita. Transformei essa experiência em um conto testemunho – um relato que mescla a história do meu gato Dom, memórias da infância e poesia. Esse processo resultou em um livro, publicado em 2024 nos formatos impresso, e-book e audiobook. Escrever foi um ato terapêutico, que me permitiu ressignificar a dor e compartilhá-la com outras pessoas que passaram por experiências semelhantes.
A breve e impactante vida de Dom
Dom era um gato de rua que adotamos já na fase adulta. Viveu conosco por cerca de três anos, mas, devido ao tempo nas ruas, contraiu FeLV, uma espécie de leucemia felina. Após uma semana de internação, sua condição se tornou irreversível. A veterinária recomendou a eutanásia para garantir uma morte digna e sem sofrimento. Essa decisão brutal nos colocou diante de uma difícil escolha: optar por um fim certo, mas sem dor, ou seguir o curso natural da doença, com um sofrimento prolongado. Optamos pela eutanásia.
O impacto foi imenso. Passei dois meses sem conseguir falar ou escrever sobre o assunto. Aos poucos, comecei a elaborar a perda em análise e, então, surgiu o conto que deu origem ao livro Saudades do Meu Gato Dom, um tributo à sua breve, mas marcante existência. Cada vez que alguém lê ou ouve essa história, Dom continua a existir.
O luto por um pet não deve ser minimizado. É um processo doloroso, mas necessário, que nos permite elaborar a perda e seguir em frente. Seja adotando um novo animal ou encontrando formas de expressão, como a arte e a escrita, dar espaço ao luto é fundamental para manter viva a memória daqueles que, de alguma forma, transformaram nossas vidas.