Humanização hospitalar com animais exige responsabilidade e regulamentação

*Por Gustavo Clemente

 

Gustavo ClementeA aprovação do Projeto de Lei 3845/2021 pela Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados representa um marco importante na busca por práticas mais humanizadas dentro do ambiente hospitalar. A proposta autoriza a entrada de animais domésticos em hospitais públicos e privados para visitar pacientes internados, reconhecendo os benefícios terapêuticos que essa interação pode proporcionar. No entanto, apesar de seu caráter inovador e sensível, a medida impõe uma série de desafios jurídicos e administrativos que precisam ser enfrentados com seriedade e responsabilidade.

O principal desafio está na regulamentação detalhada e na execução prática da norma. Uma legislação que apenas autoriza a visita de animais, sem especificar as condições para sua implementação, é insuficiente e gera insegurança jurídico-administrativa. Para que a iniciativa seja eficaz e segura, é fundamental que a norma seja construída com a participação ativa de órgãos fiscalizadores e que detalhe aspectos cruciais, como os critérios de elegibilidade dos pacientes aptos a receber visitas, os protocolos sanitários exigidos para os animais, e os procedimentos de acesso às áreas hospitalares. Sem esses parâmetros, os hospitais ficam vulneráveis a riscos sanitários, conflitos internos e até responsabilizações legais.

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A conciliação entre o direito à visita terapêutica e os protocolos de segurança sanitária, bem como os direitos dos demais pacientes e profissionais de saúde, exige uma abordagem colaborativa e multidisciplinar. A regulamentação ideal deve ser elaborada com a participação conjunta de legisladores, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de gestores hospitalares, de profissionais da saúde e de representantes dos pacientes — incluindo tanto os favoráveis quanto os contrários à prática.

Essa construção coletiva garante que todas as perspectivas sejam consideradas e respeitadas. Projetos como o “Super Visitas”, em Goiânia, realizado em parceria com a Universidade Federal de Goiás (UFG), demonstram que é possível implementar a prática com sucesso. Com uma equipe de cães treinados, o projeto foca em hospitais pediátricos e apresenta resultados notáveis, sempre respeitando o consentimento prévio dos responsáveis pelas crianças.

As adaptações que os hospitais precisarão implementar não exigem grandes mudanças estruturais, mas sim o desenvolvimento de protocolos rigorosos. Para garantir a segurança jurídica e sanitária, é necessário estabelecer normas claras, como a seleção criteriosa dos animais — permitindo apenas aqueles com temperamento dócil e devidamente adestrados —, o controle sanitário estrito, com exigência de vacinação em dia e higienização profissional antes de cada visita, e a supervisão contínua por parte da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) durante toda a visita. Esses cuidados são essenciais para que os benefícios emocionais e imunológicos da presença animal sejam alcançados com riscos devidamente controlados.

Em síntese, o PL 3845/2021 representa um avanço significativo na humanização da saúde, mas sua eficácia dependerá da capacidade dos legisladores e gestores hospitalares de transformar uma ideia generosa em uma prática segura e juridicamente sustentável. A visita de animais pode ser uma poderosa ferramenta terapêutica — desde que acompanhada de responsabilidade, técnica e respeito aos direitos de todos os envolvidos.
* Gustavo Clemente: sócio do Lara Martins Advogados, especialista em Direito Médico e da Saúde, pós-graduado em Administração Hospitalar (IPEP) e em Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) pelo Instituto Legale. Presidente do Sindicato dos Hospitais do Estado de Goiás (SINDHOESG). Também integra o Conselho Fiscal da Associação dos Hospitais Privados do Estado de Goiás (AHPACEG).

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