Histórias como as das gatinhas Brenda e Denise mostram que escuta, paciência e respeito ao tempo do animal fazem toda a diferença no processo de socialização
Nem todo gato está pronto para o colo — e tudo bem. Para muitos felinos resgatados, a convivência com humanos exige mais do que um teto seguro e boa alimentação: é preciso acolhimento emocional. Essa atenção cuidadosa ao comportamento e ao tempo de cada animal pode mudar completamente suas perspectivas de vida, como mostram as histórias da ONG Confraria dos Miados e Latidos, de São Paulo.
Foi o caso da gatinha Brenda, adotada por Jaqueline Rufino, cientista de dados, já experiente com felinos. Ao procurar uma gata preta e adulta, Jaqueline se encantou por Brenda, descrita pela ONG como “tímida e medrosa”. A surpresa veio logo no primeiro dia em casa: “Ela não se escondeu. Explorou o quarto, aprendeu a abrir portas e simplesmente tomou conta da casa, como se tivesse nascido ali”, lembra a tutora.
Mas a adaptação não foi tão simples. “Ela é realmente medrosa e tem dificuldade em dividir espaço. Eu escolhi esperar por ela. Dei espaço, respeitei seus limites e seguimos todas as orientações da ONG, com muitos petiscos e “churu”, conta. Hoje, mesmo sem gostar de colo, Brenda “amassa pãozinho” nas cobertas, pede carinho e convive com os outros gatos da casa.
Outra história marcante é a da gatinha Denise, que chegou ao abrigo extremamente arisca, se escondendo sempre que alguém se aproximava. Com o apoio de uma veterinária comportamentalista e muito respeito ao seu ritmo, ela começou a aceitar carinhos na cabeça. A expectativa agora é que Denise encontre um lar que compreenda sua personalidade e a acolha com paciência.
Socialização é chave para adoções mais responsáveis
Na Confraria dos Miados e Latidos, mais de 50 gatos tímidos ou temperamentais passam por um processo contínuo de socialização. A coordenadora de adoções, Laís Piccolo, explica que o trabalho vai além do cuidado físico. “Entendemos que um animal saudável é aquele que vive bem no corpo e na mente. Muitos dos nossos gatinhos hoje carinhosos e confiantes já foram, um dia, tímidos e inseguros”, afirma.
A médica veterinária Débora Paulino, especialista em comportamento felino e voluntária na ONG, explica que esse processo pode levar mais de três meses, dependendo do histórico e da personalidade do gato. “A socialização é estruturada em cinco pilares e não em cinco minutos. Tudo depende do animal, do ambiente e do ser humano”, diz.
Entre os pilares estão a preparação do ambiente, a troca olfativa, brincadeiras com troca de olhares, contato corporal supervisionado e rodízio dos espaços.
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Débora destaca que o comportamento felino é moldado não só pela genética, mas também pela vivência. E, assim como pessoas, gatos também podem desaprender padrões de comportamento e reaprender a confiar. “O ambiente faz toda a diferença. Um gato pode voltar a ficar arisco se o novo lar não for um espaço de acolhimento e segurança. Se ele se sentir vulnerável, pode apresentar sinais como esconder-se o dia todo, deixar de comer ou até se tornar agressivo”.
Sinais de que o gato está se socializando bem
Durante o processo, tutores e abrigos podem observar sinais importantes de progresso, como:
- Piscar lentamente – sinal de confiança
- Corpo relaxado e orelhas para frente – segurança
- Aceitar petiscos na presença humana – interesse
- Usar a caixa de areia com naturalidade – adaptação ao ambiente
- Brincar e se aproximar espontaneamente – bem-estar emocional
Já sinais como orelhas para trás, lambidas frequentes no focinho e rabo enrijecido podem indicar medo, desconforto ou insegurança.
Para Laís, o sucesso na adoção de um gato que passou por socialização depende de manter essa escuta sensível no novo lar. “A adoção responsável é, acima de tudo, um compromisso com o bem-estar emocional do animal. É preciso compreender o tempo do gato, e não forçá-lo a se moldar às expectativas humanas”.